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quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Encontro, versão dele.

A noite era e não era promissora. Era apenas um evento. "Não tem nada demais prestigiar a garota. Isso pode ser até bom, porque é uma maneira bacana de se conhecer alguém; vendo-a fazer o que gosta de fazer. Isso. Então eu vou. Não vou morrer de vergonha, ninguém morre de vergonha.". São quase sete da noite e o 'espetáculo' começa às sete. "Eu estou a mais de trinta quilômetros dela. Parabéns, seu idiota. Primeira impressão é a que fica. E um primeiro atraso, com certeza vai ficar... Ah, que se foda. Essas coisas sempre começam atrasadas. E ela não deve ser a primeira a dançar. Deus queira que não. Eu preciso vê-la naquele palco. Por mim e por ela. É importante para mim vê-la antes, analisá-la antes. E ela precisa saber que eu estava lá, que eu a vi lá em cima".

Faltavam quinze minutos e eu ainda estava longe. "Anda Rafael, acelera esse carroça. Pelo amor de Deus, corra o máximo que você puder, no limite do seu bolso. Se te multarem, depois eu dou um jeito cara. Mas corre, por favor". Sete horas: praça Raul Soares. Ela já havia me ligado três vezes. E cada uma das ligações soaram estranhamente como um pre-julgamento. Faltava pouco. Alguns semáforos, alguns pedestres, algumas centenas de metros. Faltava pouco. E faltava muito. Faltava calma, faltava sangue, faltava ar. Faltava-me estar lá. "Eu estou aqui na porta esperando você. Anda logo". Eu estava 'andando logo'. E quem disse que o tempo passava normalmente? Quanto mais a porcaria do ponteiro dos segundos andava, mais chão ainda restava percorrer. Sete e dez: "Eu não posso mais esperar você. Vou ter que entrar. Vem rápido".

Portaria. Uma escada, recepção, dois porteiros, bandeirinhas coloridas penduradas por toda a entrada. "Onde é a entrada pro 'festival' de dança?" Eu perguntei já procurando a entrada. Acho que a resposta que eu tive foi um dedo apontado para o meu lado esquerdo, pois não esperei por ela pra passar pela roleta ao lado da recepção. Duas portas grandes fechadas e um silêncio de dar medo. Pensei estar no lugar errado na hora errada. "Merda, já começou e eu cheguei atrasado. Sete e quatorze, quinze, e eu realmente perdi por estar atrasado. Merda, merda, merda!". Olhar para os lados foi instintivo, procurando um jeito de voltar no tempo e atravessar aquela porta. Eu PRECISAVA atravessar aquela porta. Nesses poucos segundos de desespero e ofensas mentais à mim mesmo, uma mulher (que eu não vi sair de lugar algum e também não notei estar lá no momento em que eu entrei) me perguntou o que eu queria. Como assim, o que eu queria? Um pingado e um pão com manteiga? "O que quer que esteja acontecendo aí dentro já começou?"

Não. Essa foi a resposta que eu tive. Mas não foi aquela mulher baixinha que havia dito. Aquelas três letras passaram por todo aquele corredor antes de chegar aos meus ombros. "Não". Eu sabia que era ela. Nunca a vi pessoalmente, mas eu sabia. Antes de me virar, eu já tinha visto aqueles lábios pronunciarem a negativa. Eu já tinha visto tudo aquilo em algum momento. Algum dèja vú. Arrepiei-me por completo. E onde foi parar minha força pra virar e encarar quem havia falado comigo? "É ela". E eu me virei. Linda. Impressionantemente linda. Incondicionalmente linda. A garota era de uma irresistivel beleza. Pertencia àquele tipo de mulheres feitas de mel escuro, suaves e doces, que com um simples balançar de cabelos, um único e suave olhar, dominam o ambiente. E ela estava sorrindo... e eu não conseguia tirar os olhos daquele rosto. "Meu Deus, como ela é linda. Deus, Deus, Deus..". Nunca acreditei tanto em Deus quanto naqueles cento e vinte, cento e trinta e todos segundos. Um abraço, um beijo no rosto [ou seria um beijo na trave?] e um "Vai lá, eu ainda tenho que terminar de me maquiar". Foi o que eu ganhei, de inicio. Ela virou as costas e entrou em algum lugar que eu não pude ver. Tive a sensação de estar parciamente cego. Eu não via nitidamente as coisas à minha volta. Só enxergava aquele sorriso lindo, aquele rosto lindo, aquela voz macia. Aí percebi que estava viajando em meus pensamentos. Eu não estava atrasado. Ainda tinha algo pra fazer. Ainda tinha alguém pra ver. De novo.

Entrei e sentei na primeira cadeira que vi pela frente. Estava escuro e aparentemente cheio. Palco, iluminação, cortinas, pessoas, música; isso eu só fui notar muito tempo depois. Havia um grupo de pessoas atrás de mim, sussurrando e se movendo. "Devem estar fazendo um ultimo ensaio". E foi nessa pequena observação que eu pude notar que todas estavam vestidas da mesma maneira que aquele Anjo lá fora. Cartolas, blusas pretas, sapatilhas e um par de luvas brancas. "Ela tá aqui. Se ainda não tiver, ela vai entrar por agora". Nesse momento, o palco não interessava. Nada havia começado mas as pessoas ficam olhando pra frente, pro palco, na expectativa de não perder nada quando algo acontecer. E começou: Dançarinas do Ventre, Bailarinas, Sapateado... e cada minuto esperando aquele grupo das cartolas aparecer no palco parecia uma eternidade. Eu me embriagava com as imagens recentes cravadas na minha mente: aquele sorriso, aquele rosto, aquele perfume. "Porque logo o cheiro? E porque eu tô pensando nisso agora?"

Começou. Ela estava ali, pertinho da cortina. Haviam mais duas ou três próximas a ela. E mais algumas distribuidas pelo palanque. Sei lá; seis, sete, dez, não me lembro. Prestei pouca atenção no conjunto. O que me prendia naquela cadeira era aquela garota ali do cantinho, próxima ao microfone. Aquela, da expressão perfeita, da mais pura encenação. Lingua nos lábios, lingua nos dentes, o olhar cada vez mais seguro, mais profundo, mais ousado. E do nada, ela some. Era previsto, eu sei. Ela me avisou. Mas por alguns momentos, era como se tudo tivesse voltado a ser como era antes. Sem cor, lento, apático. E ela volta. "Meu Deus, como ela é perfeita". Eu não a vi por cinco minutos seguidos e já sabia do que gostava nela: tudo.

A musica parou antes do fim. "Problemas Técnicos", alegaram. Mas enfim, elas dançaram no final novamente. E ela estava lá, perfeita. A MINHA perfeita. Eu tinha que sair dali com aquela certeza. Eu entrei com ela, eu sairei com ela. Fim de atuações, fim de música. Iniciava-se o espetáculo interior. O meu espetáculo interior. Ela se sentou do meu lado por algum tempo. Ganhei beijos, carícias e carinho. "Pelo menos, ela gostou de mim até agora. Isso é bom". E mais carícias. E eu me afoguei cada vez mais naquele sorriso. Recebi um convite para acompanhá-los - ela, os pais dela e uma amiga - até uma pizzaria e realmente não pude negar. "Não banque o perdido. Você quer? Vá atrás dela e mostre que você quer. Com calma".

Pude perceber que não foi à primeira vista que meus pensamentos se tornaram mais claros e cada vez mais intensos. A tensão do momento nos impede de analisar muitos detalhes, pois sempre estamos prontos para libertar qualquer palavra que sirva como elogio. Não que eu ficasse o tempo todo a bajular, isso não. Elogios vagos não agradam. Mas aqueles 'ahs' e 'ohs' que eu soltava uma vez ou outra, durante nossas conversas, não vieram direcionados totalmente do assunto. Não todos. Prestei atenção sim em cada palavra proferida por aqueles lábios carmesins, bem desenhados e inegavelmente atraentes. Mas não deixam de ser apenas lábios. "Outro ser humano comum em sua frente, seu estúpido. Ela é apenas uma mulher. Não há nada demais entre vocês dois. Vocês se conheceram a pouco. Não vá falar besteira. Não pense besteira. Não se perca. Não se perca..."

E eu me perdi. Graças ao bom Deus, eu me perdi. E o mais importante: consegui me encontrar. Nela.


Escrito por Sílvio da Fonseca, o namorado.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Não vou escrever sobre você.

Eu não vou escrever sobre você, porque sempre que escrevo sobre alguém, o mundo cai e as pessoas somem. Eu não vou escrever sobre você, porque foi tudo muito rápido e parece que te conheço muito mais que mil vidas. Não vou escrever sobre você porque tenho medo de gostar demais de você e a dor vir toda de novo. Não vou escrever sobre você porque tenho medo que você goste demais de mim e que nosso mundo fique distante demais. Não vou escrever sobre você porque você me pediu em namoro querendo que fosse de um jeito mais romântico, sem saber que você já era o jeito mais romântico que eu quis pra mim. Não vou escrever sobre você porque eu que nem sou católica fui a missa pedir um amor no dia de Santo Antônio, porque acredito em santos e 6 dias depois você pediu pra cuidar de mim pra sempre. Não vou escrever sobre você porque você me olha de um jeito bonito, me fazendo acreditar de novo em mim. Não vou escrever sobre você porque tenho medo de você achar estranho ter uma namorada que escreve. Não vou escrever porque de cima daquele palco eu via seu orgulho por mim e ninguém tinha orgulho de mim desde então.
Não vou escrever sobre você porque tenho medo que você descubra o quanto sou estranha.
Não vou escrever também, porque você não acredita que eu posso fazer mal e eu tenho medo de fazer.
Não vou escrever tanto, que já escrevi um texto, já te chamei de meu, já te olhei e sonhei com nossos jantares e dias de sol.
Ainda que eu não escreva, eu sempre vou escrever sobre você. Porque agora você é parte de mim.
E eu não vou escrever que te quero porque te querer é tão inevitável que quase me faz ter medo de te querer demais, ainda que eu saiba que isso não vai estragar tudo, porque pela primeira vez na vida, eu encontrei um homem que não tem medo de mim e é porque você é esse homem que eu quero não precisar escrever, nem pedidos, nem juras, nem promessas. Escrever serve para alimentar os sonhos e eu já encontrei o meu.